quinta-feira, 25 de agosto de 2011

'Eu lamento, mas não vou sentir dor'


Na saída do campo de treino do Fazendão, René olhou de longe a concentração de jornalistas na sala de imprensa. A primeira coletiva após a saída de Jobson seria diferente. Olhar sereno e caminhada lenta. Na chegada, alguns cumprimentos. René estava triste, mas de coração aberto. Poucas perguntas e pouco mais de meia hora de conversa.

O treinador falou sobre a dedicação na causa do jogador e o desandar da carruagem. O treinador disse que não sabe medir se fez tudo o que esteve a seu alcance, mas deixou claro que não vai sofrer pela perda do jogador.


- Em respeito a tradição do Bahia e a seus torcedores, quem veste a camisa ou fala pelo Bahia, como eu, tem que ter a noção de que representa uma entidade bem antiga. Tem que ter profissionalismo e respeitar essa nação. Isso é um ponto. O outro é que ninguém ficou feliz com a situação. Foi um grupo que comprou a briga. Todos empenhados em ajudar o ser humano. Como jogador, ele tem ualidades altíssimas. Como ser humano, ele tem alguns problemas que precisam ser corrigidos. Todos os jogadores estavam empenhados e por diversas vezes, eles o ajudaram. Não sei dizer se fiz tudo, porque não era só o Jobson. Eu tenho que cuidar de um elenco de 31 jogadores. Tenho que cuidar dos que jogam, cuidar principalmente dos que não estão jogando, deixa-los motivados. Então não era só o Jobson.

Como jogador, ele tem qualidades altíssimas. Como ser humano, ele tem alguns problemas que precisam ser corrigidos"
René Simões

René lembrou de uma traumática experiência pessoal para ilustrar a sua dedicação no caso do atacante Jobson

- Tenho uma experiência de vida em que prometi a mim mesmo que jamais deixaria de ajudar alguém. Tinha um parceiro na época de 16, 17 anos. Íamos juntos para todos os lugares. Quando saí do colégio em que nós estudávamos e fui fazer um pré-vestibular, me afastei um pouco e o pai dele me disse que ele estava envolvido em drogas. Ele sabia que eu era radical com isso. Ele foi um dia na minha casa e eu rasguei ele de cima abaixo e disse muitas coisas para ele e não quis ouvi-lo. Lamentavelmente, dois dias depois ele deu um tiro na cabeça. E eu tive a dor de saber que tinha a última pessoa que ele tinha procurado ajuda. Ele queria falar. Precisava de ajuda e eu simplesmente joguei em cima dele toda a minha raiva e indignação por alguém que tinha caído em uma fraqueza. Então eu sempre prometi que isso jamais aconteceria comigo novamente. Eu sempre ajudaria. Lamentaria, mas não sentiria a dor. Hoje eu lamento se o Jobson não der certo. Mas não vou sentir dor porque ajudamos e muito a ele. Não foi por questão de drogas, mas o desgaste foi acontecendo.

Para René, a causa maior de mais uma chance jogada fora por Jobson foi o fato do atacante não ter conseguido administrar o fato de ter se tornado o principal jogador do time.

- O grande problema dele foi o fato de no Bahia não ter conseguido administrar o sucesso dele. Eu cheguei para ele e falei: “Rapaz, você é hoje e o jogador mais importante e não está sabendo lidar com isso. Você foi maltratado, ridicularizado, por muitos durante sua vida toda, porque sabia das histórias que ele me contou, e acho que agora você está usando isso como revanche para agredir as pessoas e não é assim, na hora que você se sente o vencedor você estende a mão par ajudar. Você não pode levar por esse lado”. Mas ele não administrou isso.

Com o novo comportamento do atacante, a relação com o comissão técnica e o restante dos jogadores desandou.

- Fora de campo o relacionamento começou a se deteriorar. Depois começou a deteriorar dentro de campo e então, não tivemos outra opção, a não ser tomar essa triste decisão. Eu particularmente lamente muito. Espero que ele tenha sacudido mais uma vez e descubra e consiga ele usar o talento que ele tem de jogar futebol porque ele não está sabendo usar – disse.

René disse que o jogador foi punido em diversas ocasiões com multas e afirmou que espera que a punição ao atacante sirva de exemplo para os jovens.

- Sou responsável por administrar o grupo e chegou ao ponto em que as situação que estavam ocorrendo, e que eu vou guardar com a gente, até por uma questão de proteger a todos, começou a incomodar o grupo todo. Ele foi punido. Tiramos muito dinheiro dele em multa, mas não deu mais. E tivemos que preservar a instituição, independente de quem fosse que estivesse cometendo esses erros. Infelizmente maturidade não é algo que eu possa injetar na veia da pessoa. Agora eu espero que ele sirva de exemplo para a juventude. Porque é preciso respeitar regras, eu digo sempre, fazer filho é fácil. O difícil é adotar. Por isso, adote seu filho, antes que a droga, ou o traficante saiba adotar - disse o treinador.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

110 dias do homem que não queria ser feliz

“Estou muito feliz de ter vindo para um grande clube e motivado para ajudar a equipe na Série A. O Atlético e o Botafogo já fazem parte do meu passado. Minha cabeça está somente no Bahia. Minha expectativa é arrebentar. Os caras estão me dando muita moral, então vou fazer o melhor possível para agradar à torcida.”

As palavras acima foram ditas por Jobson há 110 dias atrás. Tempo suficiente para recomeçar um vida. Tempo suficiente para driblar adversidades. Com explosão, talento e velocidade, Jobson deu pinta que assim faria. Antes disso, enfrentou, sempre com um sorriso no rosto, a desconfiança de todos. O garoto feliz disposto a agarrar com umas e dentes aquela que talvez fosse a sua última chance encantou René Simões. Destaque do time no Campeonato, artilheiro do Tricolor, querido por grande parte da torcida. Jobson tinha nas mãos a faca e o queijo. Tinha em mãos, a chance voltar a sonhar alto.

Mestre com as palavras, René muitas vezes assustou a todos com comparações e comentários empolgados sobre o pupilo. “Ele tem alma pura como Garrincha”, disse o treinador ainda na intertemporada para o Campeonato Brasileiro. René sabia do risco. Bancou a contratação, ouviu amigos. Foi a Dorival Júnior, Joel Santana, dirigentes e funcionários do Botafogo.

Mais do que ninguém, René tentou até o último momento estender a mão para Jobson. Um dia antes do anúncio da demissão do jogador, René falou sobre a situação do jogador. Triste, o comandante dava sinais que havia perdido a batalha. A série de punições educativas não fez efeito. René tentou, mas o atacante já não tinha a confiança do grupo. O Bahia, maior que tudo isso, não poderia se manter refém.

Jobson já não sorria como antes. Na sala de imprensa, desentendimento após uma pergunta. Em um treino, discussão com Carlos Alberto. A espera pela decisão da corte arbitral poderia ser a causa de tudo isso. Mas, o próprio Jobson tratou de provar que não era. Nas diversas ligações que recebeu, o procurador de Jobson, Antenor Joaquim, em momento algum tirou do Bahia a razão pela demissão. “Ele não assimila muito bem regras” definiu. Regras que fazem parte do jogo da vida e que Jobson resolveu ignorar.

110 dias depois de uma nova chance, todos voltam a perder. Perde o Bahia que sem o seu principal jogador na competição deve ter vida ainda mais dura no campeonato. Perde o Botafogo, que em momento algum deixou de estender a mão para Jobson. Perde Joel Santana, que disse se sentir um derrotado. Perde René que confiou até o último instante. Perdem a mãe, a esposa e o filho (de apenas 1 ano), que acreditaram ser possível. Perde o futebol, mas acima de tudo perde Jobson. Um talento jogado na lata do lixo e com chances praticamente nulas de reciclagem.

Que independente do resultado do julgamento da corte arbitral, ele tenha consciência suficiente para julgar a própria vida. Como bem disso, José Ilan, Jobson é apenas vítima de si mesmo. E assim, perdemos todos.