segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Copa dos Sonhos

Está rolando no Blog do Juca Kfouri, a chamada Copa dos Sonhos, onde todos os esquadrões campeões da seleção brasileira, mais o de 82, se enfrentam para decidir qual foi o melhor, os textos são de autoria de grandes jornalistas e escritores brasileiros. Os dois primeiros foram simplesmente fantásticos. Acompanhe:

O dia em que Tostão inventou o Fair Play (1970x1994)




Copa dos Sonhos II
Por PAULO CALÇADE
A Copa do Mundo dos sonhos já teve partidas melhores.
Os Brasis se enfrentaram em campo chutando os mesmos contrastes que outros tantos Brasis exibem diariamente nos cenários político, econômico e social.
É surpreendente como maneiras diferentes de jogar, de saborear a vida, puderam esconder histórias tão congruentes.
A geração de 1970 praticamente deu as últimas pinceladas num dos mais belos momentos da história da arte.
É como se fosse possível empacotar o movimento impressionista e dar a ele uma única dimensão, uma fatia do tempo.
Em 12 anos, a seleção brasileira ganhou três Copas. Os vira-latas da bola se transformaram nos maiorais sob a batuta de João Havelange e seu projeto de poder absoluto.
Precisamos de 24 anos para voltar a colocar as mãos na taça. Com Havelange na Fifa coube a Ricardo Teixeira, o genro, tocar o plano. As coisas começaram a se encaixar.
Em campo, o elemento principal dessa química que uniu os times de 1970 e 1994 foi a organização.
Com Zagallo, os tricampeões do mundo treinaram três meses antes da Copa, mataram seus adversários no segundo tempo e tiveram uma moderníssima postura tática.
Sim, o time de 1970 foi também resultado de uma excepcional estrutura de jogo e de recomposição da marcação no meio-de-campo. Além, é claro, de ter sabedoria para acomodar Gérson, Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino sob o mesmo manto sagrado, aquela tal de amarelinha que Zagallo tanto fala.
Zagallo? Em 1994, o homem da amarelinha foi parceiro de Carlos Alberto Parreira, um dos preparadores físicos da Copa de 70.
Se a história une as duas trajetórias, o talento afasta.
Comparações entre gerações são terríveis.
É como se confrontássemos, na pista, a Lotus de Jochen Rindt, campeão mundial de Fórmula 1, em 1970, e a Benetton de 1994, com ninguém menos do que Michael Schumacher ao volante.
Quem venceria essa parada? Sabemos a resposta...
Mas graças a Deus que no mundo da bola as coisas são mais abstratas, como devem ser a arte e o futebol. E o futebol-arte.
A vitória do time de 1994 sobre o de 1970, numa daquelas máquinas do tempo, poderia mudar definitivamente a história do futebol.
Mas a terra teria que ser dominada pelos terríveis Incas Venusianos, os assustadores vilões das aventuras de Nacional Kid.
No campo dos sonhos e da razão - e para o bem do futebol -, o Brasil de 1970 derrotou o Brasil de 1994 por 3 a 1.
Rivelino, com uma bomba em cobrança de falta, fez 1 a 0. Romário empatou num lançamento de Dunga – que jogou mais do que se imagina por aí. O Baixinho aproveitou o contra-ataque e tocou por cima, na saída de Félix.
Essa, aliás, foi uma característica do time, que trocou, em média, 2,5 passes entre a recuperação da bola e a marcação dos seus gols na Copa de 1994.
Outro fator importante foi a velocidade. O time de Parreira precisou de 9,5 segundos, em média, para retomar a posse de bola e marcar um gol.
A decisão ficou para o segundo tempo, período em que as duas equipes fizeram o maior número de gols em suas Copas.
O problema era deter o time de Zagallo. Rivelino preocupava Jorginho, Branco perseguia Jairzinho. A movimentação de Pelé e Tostão prendia a atenção de Aldair, Márcio Santos e Mauro Silva.
Dunga acompanhava Gérson enquanto Zinho ficava de olho nas descidas de Carlos Alberto; Mazinho controlava Clodoaldo.
Com Gérson bem marcado, sem o espaço e a lentidão da Copa de 70, coube a Clodoaldo superar Mazinho e detonar a implosão da marcação de Parreira. O volante santista tocou para Pelé, na entrada da área. O Rei do Futebol balançou o corpo e bateu forte no canto esquerdo de Taffarel.
A seleção de 94 se abriu e tomou o terceiro, num lançamento de Gérson para Jairzinho, que bateu cruzado: 3 a 1.
Houve ainda um quarto gol, marcado por Tostão, que chamou o árbitro inglês num canto e avisou: foi com a mão.
Sim, na máquina do tempo, foi Tostão que inventou o Fair Play.
Público e renda não foram divulgados.

*Paulo Calçade é comentarista da ESPN-Brasil. Sabe o que é um jornalista completo? Ele é!



Telê x Felipão: que jogão! (1982x2002)

*Por PAULO VINÍCIUS COELHO
Copa dos Sonhos II

Parece covardia, mas não é. O duelo entre um time campeão e outro que caiu nas quartas-de-final.
Ou o duelo entre uma seleção de craques consagrados contra outra, a campeã, que nunca foi reconhecida como deve.
Não se esqueça que o time de 2002 é o único na história das Copas a vencer sete partidas para levantar a taça.
O hipotético jogo entre dois times de ataques avassaladores teria, necessariamente, muitos gols. Vamos a ele.
Começa o jogo e taticamente a partida fica desenhada.
Zico e Sócrates têm marcação de Kléberson e Gilberto Silva.
Convenhamos, os marcadores poderiam ser melhores.
A força dos laterais de 2002, Cafu e Roberto Carlos, também se dilui, por causa da preocupação em marcar os avanços de Leandro e Júnior.
Mas sobra espaço no meio para o time de 1982.
O duelo básico está ali.
No meio de-campo, entre os talentosíssimos meias ofensivos do Brasil 2002, Ronaldinho e Rivaldo, e os fantásticos volantes do Brasil de Telê, Falcão e Cerezo.
Ronaldinho domina e Falcão pára à sua frente. O gremista finge o drible, o colorado não entra. Toma-lhe a bola e sai jogando. Conduz a bola e olha Leandro, marcado por Roberto Carlos. Não toca. De lado, ajeita para Cerezo jogar.
A bola chega a Sócrates e o toque de calcanhar faz Zico entrar em profundidade. Passa por Kléberson e chuta de longe. Gol do Brasil, de 1982.
Tá certo, tá certo... Na Copa da Espanha, quem marcou de longe foi Éder, foi Sócrates. Mas aqui foi Zico. Ele merece.
Mas o Brasil de Felipão era forte no ataque.
Kléberson vai ao ataque e Zico não acompanha. Vai pedir para o Galinho marcar? Claro que não. E Kléberson caminha, olha, toca para Rivaldo, observado por Cerezo.
Este, dá espaço e Rivaldo dribla e entra em diagonal, para a esquerda. Dali, de onde tantas vezes bateu com sua canhota precisa, sem ninguém dar importãncia. Chutou de novo: 1 x 1.

Mas o Brasil de Telê tinha tanto talento, que voava do meio para o ataque. Júnior entra em diagonal e tabela com Zico. Entra em diagonal, como no gol contra a Argentina, no Sarriá. O toque preciso entra por baixo de Marcos.
Volta o Brasil de Rivaldo e Ronaldinho. Falta na entrada da área, pelo lado direito, ali de onde o gaúcho marcou contra Seaman, da Inglaterra. Ele finge o cruzamento, mas bate por cima. Valdir Peres erra. E Felipão empata com seu Brasil.
O empate é tudo de que Felipão mais gosta.
Na Espanha, valia a vaga para o Brasil de Telê, que levou o terceiro, de Paolo Rossi.
Mas na Copa do Juca, o empate leva aos pênaltis.
O Brasil de Felipão espera. O de Telê vai ao ataque.
Dizem que isso é um risco num time que joga em contra-ataque.
Mas Telê manda Leandro, Júnior, Falcão, Cerezo... Pura arte! Leandro finge que vai ao fundo, Roberto Carlos segue... E Leandro corta para dentro. Em diagonal, como gostava de fazer, tenta o tiro. Marcos rebate para a frente, como Fillol no Sarriá -- lembre, o Brasil também ganhou lá, da Argentina. Na sobra, é Zico quem coloca o bico na bola para marcar.
O Brasil de Telê vence: 3 x 2 contra Felipão. Com gol de Zico, o futebol-arte está na frente.
Com gol de bico.


*Paulo Vinícius Coelho é colunista do diário "Lance!" e comentarista da ESPN-Brasil. E que colunista! E que comentarista!

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