quarta-feira, 30 de maio de 2007

Essa é a nossa retomada! A Bahia nas telas (de novo!)

ESSES MOÇOS

O lirismo do abandono
Por Greice Schneider Cineinsite;


A estréia de José Araripe Jr. aborda com lirismo o abandono da Cidade Baixa e de seu trio protagonista, mas o excesso de remendos descamba em um resultado frágil



Em um período de produção em plenos vapores no cinema baiano, é a vez de mais um filme "da terra" entrar em cartaz. Depois de "Eu Me Lembro", "Cidade Baixa" e "Ó Paí, Ó", chega a hora de "Esses Moços" - finalizado em 2001 - estrear finalmente em circuito nacional, marcando a estréia de José Araripe Jr. na direção de longas. O lançamento em si já é motivo de comemoração, uma vez que, por razões burocráticas, quase não chega às telas.

Despretensioso, o longa não tem grandes ambições estéticas, não quer revolucionar linguagens ou inovar em caminhos narrativos: está mais preocupado, em contar uma história e despertar emoção e a ternura das pequenas coisas. Um caminho legítimo, e até muito sensato (se avaliarmos as complicadas condições de fazer cinema na Bahia), mas não necessariamente mais fácil.


Com um olhar terno sobre uma certa cidade e os personagens que nela transitam, "Esses Moços" alcança momentos genuinamente líricos, lembrando até boas passagens do neo-realismo, mas peca pelo excesso de arestas e remendos em um tipo de obra que funcionaria melhor se primasse pelo caminho mais enxuto.

O intento de emocionar já fica claro na construção de seus protagonistas - um velho perdido na cidade e duas meninas de rua. Por si só, o trio inspira no espectador o sentimento da compaixão. A inocência infantil e o desamparo da velhice funcionam instantaneamente como um convite irresistível ao compadecimento. As duas irmãs que pedem esmolas para sobreviver (Flaviana Silva e Chayend dos Santos) e Diomedes, um velho desmemoriado e perdido (vivido por Inaldo Santana) rimam com o abandono da Cidade Baixa.

O problema é que essa camada sensível mais imediata não se sustenta ao longo da jornada e carece de mais sutileza para derreter os corações dos espectadores. Primeiro porque as motivações dos personagens não são bem desenvolvidas: por um lado, os problemas que afligem Diomedes são nebulosamente apresentados – sua relação com a música e o Mal de Parkinson são apenas rascunho.

Já no caso da dupla de irmãs, o que incomoda não é a falta de informações, mas o esquematismo da relação entre elas – a mais velha, já contaminada pelo tempo e pelas ruas, explora a inocência e pureza da mais nova, obrigando-a a pedir esmolas.

Mas o que mais atrapalha “Esses Moços” são os coadjuvantes, que pipocam e somem da tela de maneira abrupta, sem qualquer preparação. A maior parte das figuras que atravessam o caminho do trio ocupa o papel de rótulo/função, em uma caracterização rasa de personagens. A posição de antagonista que o assassino de moradores de rua, ou o grupo de pivetes marginais ocupam é realçada sem sutilezas: os signos de malvadeza são despejados de maneira excessivamente didática nos diálogos, figurino, música e atuação.


Isso sem mencionar aparições completamente desnecessárias, como o monólogo do Bispo, interpretado por João Miguel – que tem muitos méritos isoladamente, mas destoa completamente da atmosfera singela que prevalece no filme.

Esses tipos – que ora insinuam um prejudicial teor de denúncia de uma cidade abandonada, ora apenas cumprem uma esquemática função narrativa – se sucedem sem naturalidade, interrompendo a impressão de fluxo, tão cara a histórias desse tipo.

Em situações isoladas, “Esses Moços” consegue atingir muito bem o lirismo, mas a irregularidade das cenas e o excesso de elementos distrativos faz cair por terra a sensação de um todo orgânico que a proposta narrativa contempla. A todo momento, o espectador é cutucado com pequenas imperfeições e passagens bruscas que o empurram para fora do pacto ficcional. Aí não há imersão que resista e fica difícil se deixar levar pela história (a exceção fica por conta do casal de amigos de Diomedes – especialmente Arly Arnoud - que transmite doçura no tom certo).

A cidade

Se há problemas na caracterização dos protagonistas (e ainda mais na dos coadjuvantes), o grande acerto fica por conta do modo como Araripe dispõe seu olhar sobre a cidade, verdadeira protagonista de “Esses Moços”. E não é qualquer cidade, mas, tal qual seus personagens principais, um lugar marcado pelo abandono, da qual fazem parte cenários como o Comércio, o Subúrbio Ferroviário, Paripe, a Estação da Calçada, a Feira de São Joaquim. Com a bela fotografia de Hamilton Oliveira,"Esses Moços" encontra poesia nesses lugares maltratados pelo tempo e o descaso através de planos bucólicos e uma freqüente luz amena de fim de tarde.

A poesia na sucessão de planos é complementada pela trilha sonora, com scores de Beto Neves que sublinham a delicadeza das cenas. O mesmo ocorre com a canção de Lupicínio Rodrigues que dá título ao filme. Interpretada por Gilberto Gil, acompanhado de Tuzé de Abreu, “Esses Moços” fecha a obra com uma melancolia suave.

A trilha só escorrega quando deixa de somar e passa simplesmente a funcionar como cacofonia. O uso dos interessantíssimos experimentalismos atonais de Walter Smetak, por exemplo, são sub-aproveitados quando usados para sublinhar a malvadeza e a impressão de “algo errado” nas cenas do vilão.

Mesmo com todos os deslizes e a sensação final de fragilidade, “Esses Moços” tem seus encantos tanto na proposta de um cinema humanista, quanto no fato histórico de ser mais um rebento no cinema baiano, importante para plantar alicerces e abrir portas para o que vem por aí, a despeito de tantos percalços que é fazer cinema.

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